segunda-feira, 15 de março de 2010

O Deus da Matança


Teatro Carlos Alberto - de 19 a 28 de Março


Não acho que o ser humano seja pacífico. Penso que não se evoluiu desde a idade da pedra e que o verniz social que nos protege da selvajaria é inquietantemente ténue, está sempre prestes a estalar. Ponha quatro pessoas dentro de um elevador que se avaria de repente e elas ficam doidas. Basta haver pânico e toda a gente se espezinha. Observe crianças a brincar na areia: não têm alternativa, batem umas nas outras para ficarem com um objecto na mão. Eu escrevo um teatro de nervos, porque são os nervos que nos comandam. As personagens que componho desde sempre são pessoas bem-educadas que pretendem manter a compostura. Mas como também são muito impulsivas, não conseguem manter as regras que impuseram a si próprias. Vão derrapar, mas sempre contra a sua vontade, mesmo quando estão em plena derrapagem. É precisamente esta luta da pessoa contra si própria que me interessa.
Yasmina Reza

Excerto de “Escrevo um teatro de nervos”, entrevista conduzida por Jérôme Garcin. In O Deus da Matança: [Programa]. Lisboa: Teatro Aberto, 2009. p. 20.



Já conhecíamos Yasmina Reza de Arte, espectáculo de um êxito histórico que o TNSJ co-produziu e estreou em 1998. Agora é o Novo Grupo de Teatro quem nos traz de volta o “teatro de nervos” cultivado pela dramaturga francesa, célebre também pelo seu Madrugada, Tarde ou Noite, relato de um ano passado na companhia íntima do presidente francês, Nicolas Sarkozy. Escrito um ano antes, em 2006, O Deus da Matança parte do encontro de dois casais para analisar a briga dos filhos, uma reunião de gente civilizada que resvala para um violento pugilato verbal (e não só) travado por quatro adultos. Ao encenador, João Lourenço, interessou instalar-se nas discrepâncias entre o ser e o parecer, tirando todo o proveito de um texto que combina leveza e seriedade crítica, humor e crueldade. Dizem os críticos que uma das razões do sucesso de Yasmina Reza radica no facto de se ter virado para a escrita após uma tentativa falhada como actriz, de escrever sobretudo para os actores. Neste espectáculo, a prestação de Joana Seixas, Paulo Pires, Sérgio Praia e Sofia de Portugal confere-lhes razão.







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